O tiro
Sempre armávamos à tenda em lugares ermos, favelas, bairros pobres, e no Rio de Janeiro no bairro pobre de Padre Miguel, eu estava dormindo na tenda, às vezes dentro da Rural, às vezes numa cama de campanha, como de costume, para vigiar nossos equipamentos e o missionário na casa dos irmãos, neste dia na casa do irmão Dadinho. De madrugada chegou dois homens e uma mulher e dispararam nove tiros na nossa tenda, ficaram nove buracos na lona atrás da minha cama.
O missionário ouviu os tiros e veio correndo, gritando:
__ Pedro, Pedro!
__ Estou aqui – disse eu.
__ Está ferido? – perguntou aflito.
__ Não – disse eu.
__ O que você fez meu filho? – perguntou-me ele.
__ Passei a coberta na cabeça, fiquei quietinho e esperei eles saírem – respondi.
Então ele fez uma oração em agradecimento a Deus e disse:
__ Vamos embora
__ Não – respondi – Agora sei que Deus está comigo.
__ Coitadinho, ele tem amor pela obra...
E fiquei e nada de mal nos aconteceu.
Sigo cantando
Ficamos um ano no Rio de Janeiro, e só fizemos campanha na Igreja de Coelho da Rocha, ficamos nos Morros das marginais, desde a Chacrinha, até o fim de fevereiro de 1968.
O Missionário Bill morava no Morro do Catumbi, e muito nos ajudou nesta fase. Nesta época minha roupa acabou e o irmão Joel, Motorista do Governo me deu duas camisas brancas. Ele era baixo e gordo e eu magro e alto, mas vestia as camisas brancas que ele havia me dado e punha meu único paletó preto por cima, atava a gravata e cantava: “Eu sou Filho do Rei”...
Às vezes quando Haroldo começava a pregar nos Morros o povo pedia: manda Pedro cantar! E ele mandava e almas vinham para os pés de Jesus.
Comida diferente!
Um dia em padre Miguel um homem disse para outro na barraca, que havia feito uma bela caçada, na tapera do manco, que havia matado e assado um gato... O Missionário perguntou:
__ Você come gato?
__ Sim - repondeu o Senhor...
Haroldo escandalizado disse:
A fome nas favelas era tão grande que quando chegava a hora do almoço chegava crianças de todos os lados e eu punha as crianças em fila e dava uma colherzinha de comida para cada uma delas... dividindo assim o pouco que nós ganhávamos...
Um dia no Rio de Janeiro o missionário queria comer rã, mas custava 25 cruzeiros e não tínhamos, então fomos comer em um restaurante que tinha comida americana. Mesinha para dois, cadeiras e uma esteira... logo a esteira começou a andar e ele distraído a esteira andou e ele não se serviu direito, logo apareceu o garçom para recolher as vasilhas, Haroldo disse:
__ Não, Não ainda não comi, dê outra volta, sê bonzinho rapaz e o rapaz acabou deixando correr outra volta... Deus sempre usava as pessoas para nos ajudar...
Quando viemos do Rio de Janeiro fizemos uma campanha em Catalão seguimos viagem para Três Ranchos, mas a igreja estava desativada, então voltamos para Ouvidor, o Pastor Antônio Cândido morava na fazenda, mas Haroldo sabia onde era e fomos ate lá, chegando ali, a esposa do Pastor estava fazendo janta: arroz, feijão preto, farinha de mandioca, couve refogada, torresminho e pele torrada. E nos convidou para jantar eu gostei muito, mas Haroldo só comeu um pouquinho, e sempre de olho em mim, quando fomos embora com destino à Nova Aurora, quando andamos uns três quilômetros ele parou a Rural e disse:
__ Pedro desce! Estou incomodado com você.
__ Por que Haroldo?
__ Porque você comeu tanta gordura frita e isso vai te fazer mal, comeu como se fosse uma coisa muito gostosa, com boca boa... Toucinho frito só serve pra fazer sabão nas fazendas.
__ Ora Haroldo essa comida é muito gostosa para os goianos.
E como sempre nada me aconteceu.
Música Divina
Numa certa feita chegando a Osasco (SP) passando na porta de uma loja de instrumentos musicais, de um libanês, Haroldo viu um órgão Amaletros e me disse:
__ Ora, pois eu gostaria de tocar nele.
__Vou falar com a moça – disse eu
Fui e falei com a atendente: que ele era um missionário americano e queria muito tocar no instrumento da loja, ela perguntou se ele ia comprar o órgão e eu disse que não, ela então resolveu ir falar com o dono. Ele veio e depois de muito tempo de conversa autorizou.
Então vi um espetáculo que nunca mais verei aqui nessa terra... Haroldo cantou em inglês e tocou órgão, maravilhosamente bem... Todos os que ouviam ficaram cheios com uma unção sem limites... A loja ficou cheia de gente e o dono ficou atônito e convidou-nos para que voltássemos quando quiséssemos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário